sábado, 26 de novembro de 2011

A casa de Vovó

Como falar em aconchego e não fazer referência à casa da minha avó?
As avós são criaturas que amam como as mães, porém sem o compromisso de educar e impor limites. Isso as torna seres pra lá de aconchegantes. Em geral, elas são pessoas experientes, que já erraram muito na criação dos filhos e que, com os netos, têm uma segunda chance para acertar. Calejadas que são, elas já se libertaram das pequenas amarras que atrapalham a felicidade, já se deram conta do quanto a vida é curta e estão disponíveis para aproveitar o que há de melhor e o que vale a pena ser vivido.
Minha avó especificamente é a personificação do aconchego e a casa dela é como um ninho. Lá sempre tem lugar para todos. Era comum familiares passarem períodos morando lá, uma vez que a maior parte da família é residente de pequenas cidades, no interior do estado.
Quando vieram os netos, a casa vivia cheia. Eram risos, choros, brinquedos, fraldas por todo lado. Fomos crescendo e entendendo que a casa de Vovó era a nossa casa, mas com algumas vantagens de bônus. E aquele era o lugar escolhido para as pecinhas (apresentações de dança, teatro e desfile, criadas por nós mesmos). É nosso ponto de encontro, é onde plantei meu Pau Brasil, onde enterrei o corpinho da minha gatinha falecida, onde fazemos pequenos consertos de roupas, onde a manicure vai fazer nossas unhas, onde assistimos os jogos da Copa do Mundo. É lugar de ser rezar o terço, de comer canjica e pamonha no dia de Santo Antônio. Lá tem cheiro de café e se escuta a Ave Maria às 18:00h. Tem Zeza falando alto e os 3 cachorros sempre em festa. Tem amigo-secreto, no Natal, com toda a família reunida e um missa na calçada com a comunidade toda presente.
Pouco lugares, no mundo, conseguem significar e reunir tanto.


Seguem aqui algumas fotos:









sábado, 12 de novembro de 2011

Criança faz cada coisa...



Há uns dias, estava voltando de uma cidade vizinha pra Recife. Estava dirigindo sozinha. O som estava ligado e a cabeça, nos lugares mais longínquos. De repente, veio-me uma lembrança que me fez gar-ga-lhar.
Eu era muito criança, estava na casa de uma tia. Estava tranquila, brincando sozinha, quando alguém teve a brilhante idéia de me avisar que eu não podia colocar, na boca, uma determinada planta. Mostrou-me a planta. Era uma Comigo-Ninguém-Pode. E me explicou que ela era venenosa.


Ora eu não comia alface, coentro, espinafre, nenhum tipo de folha, por que danado eu iria enfiar Comigo-Ninguém-Pode na boca? Aviso completamente desnecessário, não é? Pois é... Mas eu fiquei com aquilo martelando no juízo. Tive medo de esquecer do aviso e comer a planta, sem querer. (Pode?) Não conseguia me desligar da ameaça. Então, displicentemente me aproximei dela... Olhei... Passei a mão... O diabo atentou... E Pei-buff! Enfiei a folha na boca!
Na mesma hora, bateu o arrependimento, o medo, o desespero. Desatei a chorar! Chorei muuuuito! E repetia: "Eu vou morrer!!!" "Eu esqueci!" "Eu vou morrer!!!" A casa inteira tentou me consolar e nada. Já tinham me dito que a danada era venenosa e agora queriam me convencer de que não era mais? Sem chance! Continuei chorando e afirmando que ia morrer. Até que alguém descobriu um antídoto contra o veneno da planta malvada: Um PIRULITO! Deram-me um pirulito e ainda me fizeram as seguintes recomendações: "Tem chupar ele todinho e depois tomar um copo de água." Desempenhei minha tarefa com todo o afinco e olha só! Deu certo! Estou vivinha pra contar a história. Hehehe...


E viva o Id, determinando nossas vidas!



sábado, 5 de novembro de 2011

Mentes Criativas


Considero-me uma pessoa de muita sorte por ter um trabalho tão interessante. Sou psiquiatra. Entre os médicos, essa especialidade não é das mais valorizadas. Não é incomum ouvir piadinhas do tipo: "Ah, então você largou a medicina?" "E aí? Já tá ficando doidinha? Todo psiquiatra acaba ficando doido!" A reação mais comum é pedir que eu tenha cuidado, pois "os doentes mentais são muito violentos". É verdade que alguns incidentes podem ocorrer, mas garanto que, fora do hospital psiquiátrico, se corre mais riscos.
Já passei por algumas situações bem interessantes e vou contar algumas aqui.


Caso 1
Antes preciso falar um pouco sobre o que chamamos de pensamento concreto, que ocorre nos pacientes esquizofrênicos, à medida que a doença vai se agravando. O pensamento concreto é decorrente da perda da capacidade de abstração e interpretação. O paciente entende tudo na sua forma literal, concreta, mas percebe duplos sentidos, nem informações subjetivas.
Eu estava acompanhando um paciente que estava internado em um hospital psiquiátrico e vinha muito descuidado com a aparência e higiene. Antes de atendê-lo, alguém da enfermagem me disse que ele estava bem melhor. Sentei com ele e o diálogo foi este:
- Olá, Fulaninho! Como você está?
- Bem! Estou melhorando.
- Já está tomando banho?
Ele parou, pensativo, olhou para cima e disse:
- Não, doutora. Estou aqui conversando com a senhora.
Essa, eu mereci!


Caso 2
Estava eu atendendo uma paciente que estava internada, quando uma outra entrou no consultório, de forma nada discreta, interrompendo a consulta. Essa era uma paciente recém-admitida, que eu não conhecia ainda. Ela me encarou e afirmou que me conhecia. Expliquei que eu não estava lembrada, que iria atendê-la em seguida, mas antes ela deveria me deixar concluir a consulta em andamento. Ignorou minha solicitação e continuou:
- Eu conheço a senhora sim! Já trabalhei na sua casa.
- Não, fulaninha! Você deve estar me confundindo. 
Mas ela insistiu:
- Trabalhei sim! Você não é aquela rapariga que vivia enchendo a casa de macho?
Respirei fundo, engoli a risada e esclareci:
- Não. Você está enganada. Deve estar me confundindo com outra pessoa.
Ela pareceu contrariada. Depois olhou para a outra paciente (a dona da consulta), que continuava sentada na minha frente. Soltou um sorrisinho faceiro e, com ar de cumplicidade, falou:
-Ah... Entendi! A Sra não quer que ninguém saiba, né?


Caso 3 (O último por hoje)
Tenho um paciente, na clínica, que esteve em uma crise muito grave, há uns 3 ou 4 meses. Vou chamá-lo aqui de Ivan (esse não é seu nome verdadeiro) Ele achava que estavam querendo invadir sua casa e lhe matar. Não aceitava tomar medicações, pois achava que era veneno. Vivia trancado, assustado, desconfiado, nem conseguia dormir. Ir à clínica pra iniciar um tratamento: Nem pensar! Fui, com outras pessoas da equipe, fazer uma visita à casa de Ivan. Quase que ele não nos deixava entrar. Decidi fazer uma medicação injetável, mas não estava presente nenhum profissional da enfermagem. Fui eu quem teve que aplicar a injeção.
Ele vem melhorando e já aceita ir à clínica para realizar o tratamento. Na última semana, eu estava super-ocupada e ele encarnou dizendo que queria falar comigo. Eu tentei explicar que outros pacientes estavam mais graves e ele iria ter que esperar o dia da sua consulta. Não teve jeito! Ele aproveitou a saída de um paciente e invadiu o consultório.
- Doutora, preciso lhe dizer uma coisa.
- Diga, Ivan - Vencida pela insistência.
- Eu acho que estou grávido da senhora.
- Como assim? - Disse fazendo cara de paisagem e engolindo o riso.
- Aconteceu naquele dia em que a senhora me aplicou aquela injeção... - E continuou com um discurso confuso, explicando seu delírio.
Fiquei encantada com a interpretação dele. De fato, meu ato foi muito simbólico. Fui lá, na casa dele, penetrei-o (com uma agulha) e deixei, no corpo dele, o meu líquido (a medicação). É claro que ele poderia estar grávido de mim. Como não pensei nisso antes? Sou apaixonada por essas mentes criativas.



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