sábado, 5 de novembro de 2011

Mentes Criativas


Considero-me uma pessoa de muita sorte por ter um trabalho tão interessante. Sou psiquiatra. Entre os médicos, essa especialidade não é das mais valorizadas. Não é incomum ouvir piadinhas do tipo: "Ah, então você largou a medicina?" "E aí? Já tá ficando doidinha? Todo psiquiatra acaba ficando doido!" A reação mais comum é pedir que eu tenha cuidado, pois "os doentes mentais são muito violentos". É verdade que alguns incidentes podem ocorrer, mas garanto que, fora do hospital psiquiátrico, se corre mais riscos.
Já passei por algumas situações bem interessantes e vou contar algumas aqui.


Caso 1
Antes preciso falar um pouco sobre o que chamamos de pensamento concreto, que ocorre nos pacientes esquizofrênicos, à medida que a doença vai se agravando. O pensamento concreto é decorrente da perda da capacidade de abstração e interpretação. O paciente entende tudo na sua forma literal, concreta, mas percebe duplos sentidos, nem informações subjetivas.
Eu estava acompanhando um paciente que estava internado em um hospital psiquiátrico e vinha muito descuidado com a aparência e higiene. Antes de atendê-lo, alguém da enfermagem me disse que ele estava bem melhor. Sentei com ele e o diálogo foi este:
- Olá, Fulaninho! Como você está?
- Bem! Estou melhorando.
- Já está tomando banho?
Ele parou, pensativo, olhou para cima e disse:
- Não, doutora. Estou aqui conversando com a senhora.
Essa, eu mereci!


Caso 2
Estava eu atendendo uma paciente que estava internada, quando uma outra entrou no consultório, de forma nada discreta, interrompendo a consulta. Essa era uma paciente recém-admitida, que eu não conhecia ainda. Ela me encarou e afirmou que me conhecia. Expliquei que eu não estava lembrada, que iria atendê-la em seguida, mas antes ela deveria me deixar concluir a consulta em andamento. Ignorou minha solicitação e continuou:
- Eu conheço a senhora sim! Já trabalhei na sua casa.
- Não, fulaninha! Você deve estar me confundindo. 
Mas ela insistiu:
- Trabalhei sim! Você não é aquela rapariga que vivia enchendo a casa de macho?
Respirei fundo, engoli a risada e esclareci:
- Não. Você está enganada. Deve estar me confundindo com outra pessoa.
Ela pareceu contrariada. Depois olhou para a outra paciente (a dona da consulta), que continuava sentada na minha frente. Soltou um sorrisinho faceiro e, com ar de cumplicidade, falou:
-Ah... Entendi! A Sra não quer que ninguém saiba, né?


Caso 3 (O último por hoje)
Tenho um paciente, na clínica, que esteve em uma crise muito grave, há uns 3 ou 4 meses. Vou chamá-lo aqui de Ivan (esse não é seu nome verdadeiro) Ele achava que estavam querendo invadir sua casa e lhe matar. Não aceitava tomar medicações, pois achava que era veneno. Vivia trancado, assustado, desconfiado, nem conseguia dormir. Ir à clínica pra iniciar um tratamento: Nem pensar! Fui, com outras pessoas da equipe, fazer uma visita à casa de Ivan. Quase que ele não nos deixava entrar. Decidi fazer uma medicação injetável, mas não estava presente nenhum profissional da enfermagem. Fui eu quem teve que aplicar a injeção.
Ele vem melhorando e já aceita ir à clínica para realizar o tratamento. Na última semana, eu estava super-ocupada e ele encarnou dizendo que queria falar comigo. Eu tentei explicar que outros pacientes estavam mais graves e ele iria ter que esperar o dia da sua consulta. Não teve jeito! Ele aproveitou a saída de um paciente e invadiu o consultório.
- Doutora, preciso lhe dizer uma coisa.
- Diga, Ivan - Vencida pela insistência.
- Eu acho que estou grávido da senhora.
- Como assim? - Disse fazendo cara de paisagem e engolindo o riso.
- Aconteceu naquele dia em que a senhora me aplicou aquela injeção... - E continuou com um discurso confuso, explicando seu delírio.
Fiquei encantada com a interpretação dele. De fato, meu ato foi muito simbólico. Fui lá, na casa dele, penetrei-o (com uma agulha) e deixei, no corpo dele, o meu líquido (a medicação). É claro que ele poderia estar grávido de mim. Como não pensei nisso antes? Sou apaixonada por essas mentes criativas.



7 comentários:

  1. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk!
    adorei!!!!!!!!!!!!!
    posta mais visse!
    kkkkkkkkkkkkkkkkkk

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  2. Muito bom...rs tbm quero continuação...bjs

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  3. Podeixar! Vou selecionar outros causos e depois compartilho com vocês. Beijão.

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  4. Morri de ri !!!

    Que bacana que vc é!

    Parabéns Doutora! É uma linda profissão.

    Abraço.

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  5. Obrigada, Tati!
    Na minha área, a gente rói o osso, mas também come o filé. Convivo com muita gente muito interessante. :)

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  6. Que blog interessante! Adorei conhecer vc! Te descobri lá no Minha mãe que disse.
    Vou dar mais umas olhadas por aqui...
    Beijão e ótimo final de semana!
    Genis ♥
    http://mamaegenis.blogspot.com/
    http://www.blogdagenis.blogspot.com/

    *Seguindo vc!

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  7. Ah, Genis! Que bom que você gostou!
    Seja bem vinda e fique à vontade.
    Também vou dar uma olhada nos seus textos.
    Um abração.

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